Conto: A feia Preciosa (autora: Maria da Luz de Lima Santos)
A FEIA PRECIOSA
Era uma vez um rico empresário, conhecido como o Rei da
Sucata. Tinha um casal de belos filhos e sua esposa tinha feito ligadura, tipo
umbilical, daquela antiga que dava apenas um nó nas trompas. Não queriam mais
filhos. Contudo, alguma coisa deu errado e ela engravidou outra vez.
Coitados! Que
susto levaram ao nascer a criança. Era feiíssima, até para batizá-la tiveram
que explicar ao padre que era gente e não bicho. Entretanto, cada vez que
olhavam para Nadir (escolheram um belo nome de origem árabe, que significava
“querida, rara e preciosa”, sendo usado tanto para homens quanto para
mulheres), ficavam encantados com a sua vivacidade e esperteza. O grande Khidr,
o profeta verde lhes dera uma filha maravilhosa!
Com o passar dos anos, Nadir tornava-se cada dia mais
feia, mas seus olhos eram duma beleza indescritível. Quando ela os fixava em
alguém, era impossível desprende-se da profundidade do seu olhar.
Logo que sua irmã casou-se. Seus pais alimentaram o
sonho de arranjar um bom partido para Nadir. Mas como? Quem se apaixonaria por
uma jovem magérrima, de pernas finas, bunda batida e nariz de papagaio? A não
ser que aparecesse alguém que conseguisse ver a alma dela, provida de
generosidade, compreensão, carinho, sabedoria e imensa dedicação às causas humanísticas.
Quantas vezes dera parte da mesada aos necessitados? Incontáveis! Era uma jovem
cheia de virtudes. Porém, a maior tristeza do seu pai era saber que Nadir não
pretendia casar, já que tinha consciência da sua feiura.
Certo dia, Nadir foi ao shopping e resolveu entrar
numa loja de produtos de beleza. Súbito, uma vendedora disse-lhe:
_ Deseja alguma coisa, bela jovem?
Nadir olhou, tristemente, para a vendedora e quando
seus olhos perscrutaram o âmago daquela moça, sentiu que suas palavras eram
sinceras. Grossas lágrimas de gratidão rolaram de seus olhos.
A moça continuou.
_ Temos muitos cremes faciais, mas quero lhe dar um
presente especial. Pegue este cartão-visita e marque uma consulta.
Nadir agradeceu e saiu, correndo, da loja. “Que
vergonha! Não sairia mais de casa.” Jogou o cartão na bolsa e se esqueceu dele.
Ocorreu que a empregada doméstica precisava ir, certo
dia, ao supermercado, mas o motorista não estava disponível, então Nadir teve
que levá-la às compras. Infelizmente, no caminho, sofreu um grave acidente.
Quebrou ambas as pernas e fraturou, gravemente, o nariz de papagaio. Ficou
imobilizada por seis longos meses, após diversas intervenções cirúrgicas.
Por acaso, a mãe de Nadir, ao vasculhar uma das bolsas
da filha, encontrou o cartão-visita que a vendedora havia lhe dado. Era de um
cirurgião plástico. Exatamente, o que estavam precisando, já que a aparência de
Nadir ficara mil vezes pior.
O cirurgião era um homem alto, cerca de vinte e cinco
anos, belo, simpático. Apesar de jovem, era respeitado e reconhecido como
excelente profissional. O primeiro contato com a paciente foi desastroso.
Jamais vira uma face tão horripilante. Pensou: ”Meu Deus, só o Senhor para
guiar minhas mãos!”
Começaram a conversar. Ele inspirava confiança e aos
poucos conquistou a atenção de Nadir. O
pai dela exigiu exclusividade no atendimento e deixou evidente que pagaria
qualquer preço pelo tratamento da filha. Mesmo assim, Renato (era esse o nome do cirurgião) não
estava certo de conseguir fazer muito pela aparência futura de Nadir.
Passaram-se os meses e diversas cirurgias foram
realizadas. A cada nova intervenção cirúrgica, Renato se encantava mais com a
sua paciente. Quanta resignação! Quanta delicadeza! Nunca ouvira uma queixa por
menor que fosse. Já não podia mais esconder a paixão que acendia em seu
coração. Fazia questão de acompanhar cada momento pós-operatório. Adorava a paz
que as palavras suaves da jovem transmitiam ao seu ser. Tanto que sorria todas
as vezes que pensava em Nadir. E o que dizer de Nadir? Será que correspondia
aos sentimentos e sensações do seu dedicado médico? Certamente, sim. Isso era
evidente pela forma como o coração dela palpitava ao se aproximar a hora da
visita médica. Já não podia olhá-lo nos olhos, embora ele os procurasse, porque
morria de vergonha de revelar o fogo que sentia nas raras vezes na qual seus
olhos se cruzavam.
Ocorreu que não
conseguindo mais se conter, Rogério ao visitá-la no final do plantão médico,
pegou delicadamente seu rosto enfaixado e beijou-a de surpresa. Nesse instante,
a porta abriu-se e o pai de Nadir, desesperado pela cena, esbofeteou-o,
fortemente.
_ Saia já daqui, seu monstro! Que raio de médico é
você? Como pode se aproveitar do estado indefeso da minha filha? Vou
denunciá-lo ao Conselho de Medicina, seu registro médico será cassado.
_Perdão, Senhor. Sua filha é a mais doce criatura que
já conheci. Eu a amo!
_ Suma, seu aproveitador! Não o quero mais como médico
da minha filha.
_ Senhor, peço sua filha em casamento.
_ O quê? Como você é atrevido! Nunca permitirei isso.
Renato ficou atordoado. Não conseguiria mais viver sem
ouvir a voz da mulher amada. Apelou. Prostrou-se aos pés do raivoso pai da
jovem e humildemente, implorou:
Errei. Confesso. Quero casar-me com sua filha, não
porque a beijei pela primeira vez, mas porque desejo beijá-la por toda a minha
existência. Conheço muitas mulheres ricas, famosas, belas. Entretanto, foi a
sua filha que conquistou meu coração.
_Não me interessa. Saia daqui!
No meio do tumulto, ninguém notara a presença da mãe
de Nadir, ela falou, energicamente.
_ Querido, chega! Até parece que hoje é o dia dos
tolos! As criaturas humanas trazem em si a semente da beleza e da sabedoria que
um dia florescerá em seus corações. Penso na tolice dos homens e o que vejo?
Dois homens falando a mesma linguagem, mas não se entendendo. Por que agir de
forma errada? Olhem para Nadir, Coitadinha! Deem a ela a chance de decidir seu
próprio destino.
_ Papai, mamãe, quero tirar as ataduras.
Atônitos, contemplavam o mais belo rosto da face da
terra! Renato os deixou.
Meses depois, agora, dependente de muletas, Nadir voltou
ao shopping para agradecer a vendedora pelo cartão-visita, pois graças à
atenção dela, tinha o mais belo rosto do mundo. A vendedora, todavia, sentiu a
profunda tristeza que ofuscava aquela beleza. Sugeriu:
_ Só tem uma forma de me agradecer. Aceite jantar em
minha casa.
_ Não tenho ânimo para sair, mas, aceito. Obrigada!
Ao chegar ao endereço indicado, Nadir admirou-se.
_ Que bela mansão! Como que uma simples vendedora mora
numa casa tão maravilhosa!
A vendedora recebeu-a à porta.
_ Vamos entrando. Seja bem vinda! Aquele é meu irmão.
Quando o jovem se virou, Nadir soltou um grito de
surpresa.
_ Renato!
Desfaleceu. Acordou prostrada num lindo divã. Renata,
a vendedora, ao lado do irmão sorria para ela.
_ Querida! Nossa mãe morreu e papai nos deixou sozinhos,
aos cuidados da governanta, após se apaixonar por uma linda jovem. Renato,
então ficou traumatizado e prometeu nunca casar com uma mulher bela. Tornou-se
um cirurgião eficiente. Só que após as cirurgias, ele seduzia as mulheres e as abandonava.
Entretanto, no seu caso, ele se apaixonou de verdade. Por isso, num ímpeto a
pediu em casamento. Com medo fugiu. Tive certeza do amor dele por você, pois a
cada dia, via no seu semblante a mesma tristeza que vi no seu. As criaturas
trazem em si a semente da beleza e da sabedoria que um dia florescerá em seus
corações. Então, por que fazer a escolha errada?
Em seguida, saiu do recinto, os dois olharam-se e não
havia mais dúvidas. Esse casal de passarinhos construirá seu ninho com carinho
e no lugar certo. Nenhum vento o derrubará.
Afinal seja homem ou mulher, inteligente ou estúpido,
só o grande Khidr (o profeta verde, em árabe), protege as criaturas.
Moral da
história: há males que vêm para o
bem. (autora: Maria da Luz de lima Santos).
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