CONTO. AO ENCONTRO DO MEU DESTINO.
A todos aqueles que
já se apaixonaram, um dia
“Natal, 06 de outubro de 1992.
Querido
amigo,
Quando
procurei informações sobre o seu paradeiro, jamais poderia imaginar que te
encontraria trancado num seminário fugindo da vida e de mim. Não acredito que
esse lugar seja adequado á você; você
não é homem de se esconder para esquecer seus problemas.
Conheço-o
há quase treze anos e não acredito nessa sua decisão! Gostaria de estar errada,
mas confio no me senso.
Saudações,
Sua eterna amiga”
Trancado em
meu quarto, já li e reli diversas vezes esta carta. Não posso deixar me
envolver pelo passado...Ela não significa mais nada para mim. Ela não me
conhece. Decidi o que melhor me convinha, e aqui estou...Não fujo do mundo, da
vida...Dela. Fujo?
Há treze
anos a conheci. Na verdade, não notei o quanto ela significava para mim. Não a
vi, vi sim, a minha única grande paixão – a outra; que me encantava,
envolvia-me e, tirava-me o fôlego. Ela sim, poderia significar algo na
minha vida, e não àquela garota insignificante – sua amiga. Sim, amigas!
Grandes amigas!...
Só mais
tarde pude entender o quanto eram amigas! Será que ainda são? Já faz tanto
tempo...
_ Irmão
Guilherme.
_ Pois não!
Irmão, tudo bem? Faz um tempão que o chamo.
_
Desculpe-me irmão Samuel, estava distraído.
_ Algum
problema? Recebeu más notícias da sua família? Você recebeu correspondência,
não foi?
_ Sim, irmão.
Mas, nada de importante.
_ Vamos à
visita domiciliar, então.
São
dezenove horas. Chegamos ao local da visita, cumpri o ritual automaticamente,
não sei nem mesmo se cumprimentei a anfitriã. Vejo-me sentado ao lado da
doente, sinto-me distante desse mundo...Isto não pode acontecer comigo. Ela não
pode estar em meus pensamentos. Já vi outros seminaristas desistirem,
enfraquecerem, principalmente por causa delas. Comigo isto não acontecerá.
Seguirei, obstinadamente, meu destino.
_ Irmão, já
faz séculos que caminhamos, e você não proferiu uma palavra, sequer.
_ “Há tempo
para tudo debaixo dos céus”, disse o sábio Salomão.
_ “...Tempo
de ficar calado”, completou , o irmão Samuel e calou-se.
Sozinho,
olhava em volta o ambiente que lhe era comum: quatro paredes claras; uma
cômoda, tipo colonial, com espelho; uma escrivaninha, com duas gavetas,
acompanhada por uma cadeira de encosto alto, também coloniais; e um crucifixo
na parede, às suas costas, o qual não
podia visualizar, mas conhecia-lhe cada detalhe. Encima da cômoda, apenas um
pente, uma colônia, uma escova de dente
e àquela estatueta da Virgem Maria, que ele observava, todavia não conseguia
dar-lhe a importância exigida.
Preciso
rezar...Preciso!
Duas horas
da manhã! Não sei quantas vezes já tentei rezar. Não consigo sair do mundo
material _ da carne; meu espírito enfraquece_ Você me enlouquece; seu rosto!
Tudo tem seu rosto: a estatueta tem seu rosto, seu sorriso _ agora ela é
importante, posso adora-la! Deus que blasfêmia! Aonde foi parar meu senso?
Preciso tira-la dos meus pensamentos.
A rotina do
seminário.
Meu quarto.
Dez horas,
onze horas...Madrugada.
Abril de
1979. Tenho 18 anos. Meu coração se acelera quando a vejo. Linda! A mulher que
domina minha mente, meu corpo. Durmo pensando nela, sonho com ela, acordo com
ela e vivo por ela.
Como de
costume, atrasada, apesar de morar defronte ao colégio. É a única garota que
fica sensual até mesmo de uniforme.
Intervalo.
Saímos. Eu,
ela e Milagres.
Naquela
manhã, ela estava mais bela, a cada segundo. Como é horrível não saber como
confessar minha paixão! Conversamos coisas fúteis, frívolas e o tempo voou.
Foram
muitos os intervalos, as aulas livres e muito tempo de ociosidade. Foram muitas
gargalhadas, sorrisos de despedidas; muita vida vivida.
À noite,
trabalho num hotel. Sou garçom. Tenho que servir, sorrir, ser gentil, não
importa meu estado de espírito. Como já dizia Aristóteles: “a vida é uma
comédia”.
Enfrentar,
logo pela manhã, uma sala de aula não é fácil, principalmente depois de uma
noite em atividade. Termino por dormir profundamente. Apenas, sorrio quando os
professores chamam minha atenção. Muitos me consideram preguiçoso,
desinteressado, nem se preocupam em descobrir o motivo do meu estado de
inércia.
Milagres me
tem sido muito útil. Muitas foram às vezes que fez meus trabalhos. Ajudou-me
nas avaliações. Considero-a uma amiga incomum. Só não consigo decifrar esse
olhar perscrutativo que ela me lança, com esses seu olhos castanhos escuros,
que dar-lhe um aspecto de autoconfiança, e ao mesmo tempo, de sonhadora, ou
será de realista, fria, calculista? Jamais consegui entender seu olhar.
Não dar
mais para esconder meus sentimentos. Preciso confessa-los para alguém!
Todas as
manhãs é a mesma coisa, não consigo abrir o meu coração para ela. Seu nome é
como uma brisa suave nos lábios. Só em pensar nos seus olhos cor- do- mar, fico
tonto de paixão: desejo que consome meu ser além d’alma, penetra milímetro por
milímetro meu corpo e domina todo o meu ser. Preciso falar-lhe do meu amor. Preciso!...
Férias. Que
coisa boba! Não sei o porquê de tanta questão por elas. Tenho trabalhado
durante todo o tempo no qual me entendo por gente, e nunca as gozei.
Não sabia
que mudaria o meu conceito a partir daquela data – junho de 1979. Foi tudo tão
rápido. Parecia um sonho. Na verdade, devo tudo a Milagres. Ela percebeu o
quanto eu amava Bianca e fez tudo para convence-la a me dar uma chance. Quando
menos esperei, percebi os olhares lânguidos da minha deusa para mim. Eu sorria
e ela correspondia, e o meu coração parecia que iria explodir.
Um dia,
combinamos os três de irmos à praia. Não dormi na noite anterior. Passei a
noite sonhando com Bianca; seus olhos verdes, sua boca sensual. Cheguei a
escutar o murmúrio de sua voz envolvente, suave...
Encontramo-nos
na casa de Milagres. De imediato, percebia-se as diferenças físicas das duas.
Bianca enchia o ambiente com seu corpo escultural e seus gestos femininos,
naturais. Quanto a Milagres, deixava muito a desejar: cerca de 1,70 m, pesando
60 kg aproximadamente, dona de pernas finas e longas _ não que fossem feias _ ,
mas comparadas as pernas bem torneadas e ao resto do corpo da minha deusa, ela
era uma bruxa.
Foi um da
inesquecível! Pegá-la em meus braços, poder olha-la dentro dos olhos e sentir
seu coração bater perto do meu, foi mais do que pedi aos céus. Só o que não foi
agradável, foi perceber uma ponta de melancolia em Milagres, naquele dia.
Entretanto, quando nos aproximávamos, ela voltava a sorrir e como que por
encanto se transformava na garota que eu tanto admirava.
À noite,
fui à casa de Bianca. Ela me recebeu muito educadamente e demonstrou uma
atenção e carinho fora do comum. Deduzi sua receptividade como um convite ao
amor e aproveitei a oportunidade. Usei todo o meu instinto animal para
dobra-la, para convence-la do meu amor. Não acreditei quando minutos depois a
tinha em meus braços e percorria com os lábios aquele seu rosto que tantas
vezes estivera em meus sonhos.
Tocar seus
lábios foi como beijar brasas; era um vulcão prestes a explodir. Não conseguia
me dominar, queria permanecer colado àqueles lábios por toda a eternidade.
Senti sua respiração ofegante e aquilo me enlouqueceu; acabara de descobrir na
mulher dos meus sonhos o gosto do prazer.
Namoramos
por três meses. Foram momentos inesquecíveis.
No início
de outubro de 1979, ela me recebeu de forma diferente. Naquela noite não tive
abraços, nem beijos. Simplesmente, adeus. Disse-me que já não dava para
continuar, que tinha tentado, mas não conseguia se apaixonar por mim, que eu
era um rapaz maravilhoso e que, certamente, encontraria alguém que me amaria
como eu merecia. Não sei o que senti. Fiquei parado olhando para ela e todos os
meus sonhos se acabaram ali. Ela destruiu o meu mundo.
Vinte e uma
horas. Chego à casa de Milagres. Sua família se admira do horário, contudo não
questiona. Ela já está deitada. Poucos minutos depois, vou ao seu quarto. Já
conheço o caminho. Ela me fita com uma expressão de surpresa.
_ Aconteceu
alguma coisa, Guilherme?
Não consigo
responder. Procuro as palavras, não as encontro. Tudo perdeu o sentido.
_ Por
favor, Guilherme! O que você está sentindo?
Comecei a
dar gargalhadas, uma após outra, não conseguia me controlar. Milagres estava
confusa e preocupada. Calou-se, esperando que eu me dominasse.
Passados
alguns instantes, olhei para ela e consegui dizer meio sem graça:
_ Acabou
tudo! Ela disse que não dava para continuar. Ela não me ama.
Esperei que
Milagres me confortasse, entretanto limitou-se a me olhar com àqueles olhos
penetrantes e falou:
_ Há foi
isso, então!
Não
compreendi sua falta de solidariedade e muito menos quando vislumbrei no fundo
dos seus olhos uma sombra de mistério. Ela sabia a verdadeira razão, não tinha
dúvida. Pela primeira vez, compreendi àquele seu olhar e senti medo. Ela
conseguia me encarar da forma que eu temia _ dentro da alma.
Tentei de
todas as maneiras renovar o namoro. Não consegui. O desespero tomou conta de
mim e agarrei-me a única pessoa que sempre tinha tempo para me escutar:
Milagres. Ela passou a ser a minha tábua-de-salvação, com ela eu podia ser
sincero, confessar a minha paixão e falar da razão da minha vida: Bianca.
Passaram-se
quatro meses. Tornei-me tão amigo de Milagres, que tinha por obrigação
visita-la, praticamente, todos os dias. Qualquer coisa era motivo para
procura-la. Ela estava sempre pronta para me atender. Na verdade: era o meu
pombo-correio. Eu sabia que só através dela poderia ter notícias de Bianca, embora
estivéssemos juntos todos os dias letivos. Na escola, não podia demonstrar a
todos o que sentia, agia de forma natural, conversando com ela, amigavelmente.
Só Deus sabe o quanto me dominava para não agarra-la e de joelhos rogar o seu
amor, a sua atenção! Mas sou homem e isto não faria. Juro que ela será
minha...Um dia a terei só para mim.
_ Milagres!
Milagres!
_ Olá,
Guilherme! O que houve?
_ Tenho uma
notícia maravilhosa! Passei no teste para fuzileiro naval.
_ Que
maravilha! Fico muito feliz!
_ Viajarei
para o Rio de janeiro no final de fevereiro.
Ela ficou
pálida, o sorriso desapareceu dos seus lábios. Pensei que ela fosse desfalecer.
Ainda pude ver uma lágrima que tentou pular dos seus olhos. Tentou dissimular a
tristeza que sentira.
_ Quanto tempo
você ficará lá?
_ Não sei.
Dois anos, três. Não sei ao certo. Hei! Não precisa ficar triste. Vamos
continuar amigos, ók! Vou te escrever todas as semanas, ou melhor, todos os
dias.
_ Não estou
triste. Fico feliz por você. É que não sabia de nada. Você me pegou de
surpresa.
_ É que eu
tive medo de não ser aprovado, por isso não te contei antes. Desculpe-me!
_ E quanto
a Bianca, ela já está sabendo?
_ Não.
Também, ela não se incomoda. Talvez seja melhor assim. Quem sabe ela não
perceberá se sente alguma coisa por mim.
_ Eu me
incomodarei...Murmurou.
_ O que
você disse, Milagres? Não escutei direito.
_ Nada. Só
pensei alto. Você não acha melhor contar à Bianca?
_ Talvez,
conte. Vou decidir. Estais com muito sono?
_ Não. Só
estava deitada porque não tinha nada para fazer.
_ Vou
sentir falta das nossas conversas. Você tem sido muito bacana comigo. Virei
conversar com você todas as noites para aproveitar cada minuto até o dia da
partida.
Às vezes,
não entendia as reações dela: não disse nada que a magoasse e de repente, ela
calou-se. Apenas me olhava. Por um momento, tive a impressão que iria me
abraçar, mas nada aconteceu. Súbito, voltou a conversar normalmente.
Todas as
noites nos encontrávamos. Foram momentos agradabilíssimos. Ela falava do seu
sonho de cursar o técnico e poder trabalhar, e eu falava da minha expectativa
de servir à pátria; não que fosse patriota, na verdade, nunca dei muita
importância a isto. Não gostava de receber ordens, contudo tinha curiosidade de
conhecer esse mundo de heróis.
Resolvi
contar à Bianca que iria partir. Ela não deu a mínima importância, pelo
contrário, ficou tão feliz, como se tivesse se livrado de uma pedra no sapato.
Foi assim que me senti ao sair de lá; apenas uma simples pedra. Meu coração
quebrou-se em mil pedaços e sorri – sorri do meu amor!
Última
noite que ficaríamos juntos antes da minha partida, logo pela manhã estaria
embarcando. Nessa noite, Milagres falou pouco, passou quase todo o tempo me
observando. Senti seu olhar penetrar profundamente na minha’lma, ela parecia
querer guardar cada detalhe do meu rosto, do meu corpo, dos meus gestos.
Entendi que não precisava falar, dava para nos comunicarmos em silêncio. Até
àquele momento não tinha percebido o quanto ela era autêntica, real. Percebi
sua beleza interior. Ela era linda! Sorri para ela de forma tão especial, que
cheguei a temer meu próprio sorriso. Duas lágrimas surgiram em seus olhos,
contudo foi apenas por um segundo: sorriu e seu sorriso teve o poder de
transforma-las em duas pérolas que embelezaram seu semblante.
Tomei o seu
rosto entre minhas mãos e beijei-lhe as faces. Jamais fizera isto. Sentir o
sabor daquelas lágrimas, que rolavam por mim e para mim, fez-me orgulhoso e
feliz; alguém se importava comigo. Naquele momento compreendi o quanto era
amado.
Parti.
Durante todo o percurso, perdi-me nas lembranças da noite anterior. Descobrira
o segredo da minha melhor amiga, e não podia fazê-la feliz. O meu coração
pertencia à Bianca. Diabo de vida!
O
seminário: lugar frio, sem calor humano. Tanta solidão! Todos buscam o seu
“eu”. Tantos indivíduos enclausurados no seu próprio mundo, tentando
compreender os mistérios da existência e muito pouco dos mistérios de Deus.
O cotidiano
me incomoda. Nada combina comigo. Mas tenho que continuar. Não posso desistir
daquilo que me propus: vencer a mim mesmo, dominar meu corpo, meus sentimentos,
minha mente; ser o meu próprio Deus.
Não estou
ferindo egos, tradições. É assim mesmo. Muitos aqui estão, contudo poucos têm
vocação. A maior parte foge de si mesmo ou de alguma coisa. A ociosidade é
valorizada – é o tempo para reflexões.
A solidão é
companheira inseparável: dorme-se e acorda-se com ela. Há momentos em que
chegamos a conversar...Ela escuta calada.
Tenho
conseguido vencer os dias, a rotina, até a solidão. Pensei estar vencendo!
Agora esta carta...Perco o controle de todo o meu ser. Meus momentos preciosos
de reflexões, transformaram-se em angústia, em medo. Temo cada vez mais a
solidão _ até já a chamava de “amiga”.
Logo que
cheguei ao meu destino, cuidei em escrever para Milagres. Nem mesmo organizei
meus pertences, já estava de caneta em
punho lhe descrevendo todos os detalhes da viagem e do local no qual serviria:
Ilha do Governador.
A paisagem
espetacular da ilha inspirava-me por demais, e eu queria compartilhar toda a
minha primeira impressão com ela. Sentia necessidade de falar a alguém do meu
estado de espírito, da minha primeira aventura longe da terra natal – Natal.
Passou-se
uma semana e não recebi resposta. Sentia-me solitário, mesmo fazendo parte dum
Batalhão de Infantaria, no qual fizera diversos amigos. Alimentava as noites
com as lembranças das conversas com milagres, entretanto, sonhava com o rosto
de Bianca.
Na segunda
semana, recebi a primeira carta de Milagres. Eram oito horas e trinta minutos
da manhã, e apesar de toda a ansiedade, fiz questão de lê-la somente no
silêncio da noite. Às onze horas e quarenta minuto a li e para sempre guardei
aquelas palavras no meu coração:
“Natal, 15 de Março de 1980.
Querido
amigo Guilherme,
Fiquei muito feliz por você ter
feito uma ótima viagem. Tenho certeza que você conseguirá alcançar o seu
objetivo. Obrigada pela consideração de ter me escrito logo, estava muito
ansiosa por notícias sua.
Tenho sentido muito a sua falta. As
noites agora são mais longas e ...vazias. O que me faz matar o tempo é
relembrar as nossas conversas. Não pensei que fosse sentir tanta saudade de
você...
Tenho uma notícia maravilhosa:
passei na seleção para o curso técnico. As aulas vão iniciar dia vinte do
corrente mês. Estudarei muito para poder não sentir tanto a sua falta.
Escreva-me sempre!
Beijos
da sua amiga, Milagres.”
Fiquei
maravilhado com a carta e mesmo lisonjeado, senti-me no dever de não lhe
alimentar esperanças e sonhos, os quais era sabedor de não poder realiza-los.
Tratei de mudar o teor de minhas palavras e acentuar _ grifar mesmo _ a palavra
amiga, amizade e outros vocábulos que denotassem esse sentido para que ela não
viesse a confundir o conteúdo das minhas cartas. Estava apaixonado sim, mas não
Por ela. Por isso, não podia deixa-la se envolver, amorosamente, comigo.
Senti-me no dever moral de evitar tal equívoco, e assim procedi.
Minha resposta foi carinhos, contudo
superficial e tive a ousadia de lhe pedir que me mantivesse informado a
respeito de Bianca. Também, grifei clichês como “a amizade é um tesouro
precioso”, “há amigos mais chegados que irmão” e outros.
À medida que nossa correspondência
tornava-se constante e firme, o meu coração sofria e minha mente se tornava
confusa. Sentia uma vontade incrível de estar com ela, no entanto, cada dia
mais crescia a minha paixão por Bianca. Era um desespero, uma obsessão; queria
àquela mulher.
As cartas de Milagres eram calorosas
e amigas. Senti que ela captara a mensagem. Não revelava seus sentimentos,
somente os ventilava. Era sutil e muito precavida quando falava de mim e de si.
Sempre que podia enviava informações sobre Bianca. Assim passou-se um ano.
Março de 1981. Minhas primeiras
férias. Fiz questão de não avisar da minha chegada. Queria fazer uma surpresa.
Confesso que estava tão ansioso que antes de ir à minha própria casa, fui
primeiro a de Milagres. Cheguei às dezoito horas em ponto, ela ainda não
chegara da escola. Não consegui entender o porquê da necessidade de revê-la primeiro.
Ao chegar ficou tão surpresa que deu
para ouvir as batidas aceleradas do seu coração quando a abracei. Ficou
olhando-me como quem não acredita no que ver, e pude perceber a felicidade
brotando dentro daquela mulher.
Conversamos até altas horas da noite.
Sem dúvida, ela era um bálsamo! Suas palavras tiveram o poder de me tirar todo
o cansaço da longa viagem de ônibus.
Três dias após a minha chegada,
decidi visitar Bianca. Não sei como consegui esperar tanto tempo, estava
testando-me para ver quanto tempo resistiria; a paixão venceu a razão.
Lembro-me, perfeitamente, de como
fui recepcionado. Fiz a indelicadeza de chegar de surpresa e quem foi
surpreendido fui eu. A varanda estava em trevas. Toquei a campainha e em
seguida a varanda se iluminou, exatamente no momento, no qual Bianca perdia-se
nas carícias ousadíssimas dum outro homem. Passaram-se alguns segundos até que
eles percebessem a claridade e a minha abobalhada presença.
_ Guilherme, que surpresa
maravilhosa!
Faltou-me coragem...Foi como levar
uma chicotada. Sabia que ela tinha alguém...Não queria admitir. Minhas pernas
tremiam, não conseguia dar um passo sequer. Precisei ser arrastado,
praticamente, por ela. Só sei que senti o suor em minhas mãos, quando em
contato com as delas. Forcei o melhor dos meus sorrisos e, ponto.
Passei, o restante das férias, ao lado de
Milagres. Fomos ao teatro, à igreja, a restaurantes e às praias maravilhosas e
deslumbrantes da nossa cidade Natal – Genipabu, Ponta Negra, Pirangi do Sul e
muitas outras. Esses momentos fizeram-me aguardar, ansiosamente, as próximas
férias. Definitivamente mudara minha opinião sobre férias.
Dezembro de 1982, fiz uma grande
surpresa à Milagres. Envie-lhe um cartão, no qual por um momento de melancolia,
disse-lhe que a amava, dando-lhe a entender que não viria, porém cheguei,
exatamente, na manhã da véspera de Natal. Divertia-me vê-la tão apaixonada, tão
sonhadora...e pensei: “porque não lhe proporcionar uma noite agradável?”
Acordei então cear com a sua família, ela ficou radiante. Seria nossa primeira
ceia juntos. Como tinha muito tempo livre, à tarde, resolvi visitar Bianca.
Encontrei-a sozinha. Conversamos bastante e tive a nítida impressão que ela
estava tentando me seduzir. Estava insinuante e muito atenciosa. Tive a infeliz
idéia de confrontar as duas para decidir com quem passaria aquela noite.
Levei-a à casa de Milagres, ao
entardecer, com a desculpa de relembrarmos os velhos tempos. Sabia não haver
problemas, já que eram grandes amigas. Fomos recebidos polidamente, embora Milagres
tenha deixado transparecer uma ruginha de interrogação. Ofereceu-nos champanhe
e conversou descontraidamente.
Limitei-me a observa-las. Eram tão
parecidas quando conversavam. Senti o quanto Milagres era prudente, pois
direcionou a conversa de maneira a não criar nenhum constrangimento. Dava para
sentir que existia uma verdadeira amizade entre elas. Conversavam naturalmente,
e tinham opiniões idênticas sobre diversos assuntos. Senti um nó na garganta ao
perceber que estava mais confuso – não sabia qual escolher; armara uma
armadilha para mim mesmo.
Eram quase dezenove horas quando
saímos. Disse, discretamente, para Milagres que retornaria por volta das vinte
e duas horas.
Deixei Bianca em casa e ao nos
despedirmos, ela me beijou fervorosamente. Fiquei tão maravilhado, que quando
me convidou para ceiar, aceitei no ato. Estaria lá às vinte e duas horas,
impreterivelmente.
Saí tão atordoado que nem sei como
cheguei em casa. Eram vinte e uma horas quando me arrumei e, de súbito, percebi
não haver decidido com quem cearia. Caminhei pela cidade sem rumo. Entrei num
bar. Tomei duas doses de uísque e voltei a caminhar. Estava completamente
enrolado: não podia fazer a minha amiga sofrer e também, não podia perder a
oportunidade de ficar com a mulher dos meus sonhos _ a minha Paixão.
Zero hora. Cheguei à casa de
Milagres. Seus pais me receberam e percebi uma expressão de alívio com a minha
aparição. Murmuraram:
_ Ela está no quarto.
Milagres estava sentada na cama
escrevendo. Entrei silenciosamente e fiquei observando-ª Quando percebeu a
minha presença, amassou a folha de papel raivosamente e atirou-a no meu rosto.
Resignado e sabendo o quanto a magoara, limitei-me a escuta-la. Era a primeira
explosão emocional que presenciara. Jamais a tinha visto perder o controle.
Confesso que fiquei satisfeito, pois naquele momento ela era simplesmente uma
mulher dominada pelo ciúme... e que ciúme!
_ Por que você veio? Devia ter
ficado com ela a noite toda. Pensa que eu me importo. Imbecil... Eu te odeio!
Por um instante, pensei que ela
fosse chorar, mas segundos depois se recomporá e ficara em silêncio esperando
explicações... Talvez. Seus olhos pareciam querer me engolir. Senti um frio
percorrer a minha coluna vertebral e não sei porque, abracei-a. De início, ela
permaneceu rígida em meus braços, depois relaxou e respirou fundo. Ficamos
abraçados não sei por quanto tempo. Só sei que era tão gostoso a ter colada a
mim, que , inconscientemente, apertei-a mais; era como se quisesse apagar a
imagem de Bianca da minha mente.
Nunca pensei que me sentiria tão bem
abraçando-a. Ela era suave, macia e quente. Seu corpo tivera o poder de
acelerar minha respiração. Podia sentir as batidas dos nossos corações e o meu
parecia que iria explodir. Afastei-me um pouco e acariciei suavemente seu rosto
_ “não era possível, eu não podia estar amando duas mulheres ao mesmo tempo!”
Inesperadamente, Milagres cortou meus pensamentos, colou seus lábios nos meus,
engoliu-os completamente, sua língua abriu passagem entre meus dentes e com
voracidade sugou minha língua e esqueci o mundo. Que beijo!
Foi um natal maravilhoso! O único do
qual me lembro...
Agora já não importam mais os
natais: são rotineiros, frios, sem importância.
Depois daquele dia a minha cabeça
ficou pirada; Milagres e Bianca sempre ocupando meus pensamentos. Na verdade,
todo o tempo daquelas férias tratei de lhes dar atenção _ namorei as duas. Só
que a minha relação com Milagres voltou ao nível da amizade, logo após a minha
partida. Nossas cartas eram profundas, intelectuais, filosóficas, contudo
dissimuladas. Já com Bianca, era diferente; viajei com a certeza de a ter para
sempre.
Mantendo então correspondência com
as duas, ficava sempre a par de todas as notícias. Inclusive, ocorreu um fato
interessante: Milagres informou-me que Bianca viajaria para São Paulo, no Natal
de 1983, e insinuou a possibilidade de eu a
visitar, já que ficaríamos tão próximos. Quase não acreditei quando li.
A confirmação, entretanto, veio com o convite, por telefone, da própria Bianca
para nos encontrarmos na casa de seus parentes.
Aquele natal Milagres passou
sozinha.
Milagres havia sabido através de
Bianca que ela iria a São Paulo, mas não sabia que ela ficaria por seis meses.
Logicamente, aproveitei cada minuto e nesse período firmei compromisso de
noivado. Sua família ficou maravilhada e marcamos o casamento. Seria,
provavelmente, em junho de 1984, assim ela não precisaria regressar à sua
cidade.
Considerei ser o momento de expor a
situação para Milagres. Escrevi-lhe uma carta, na qual lhe disse que tinha
conhecido uma pessoa maravilhosa, que estava noivo e pretendia casar o mais
rápido possível. Tive o cuidado de omitir o nome da escolhida: não queria
magoá-la ainda mais. A resposta foi imediata:
“Natal, 18 de março de 1984.
Querido amigo, Guilherme,
Fico muito feliz por você ter encontrado a sua
alma gêmea. Tenho certeza que você a fará muito feliz. De minha parte pode
ficar certo, que a amizade continua, só não espere, porém, que nossas cartas
continuem tão freqüentes, pois, afinal, isto poderia te criar problemas
futuros.
Faça a delicadeza de me convidar
para o seu casamento, embora devido a distância não seja possível comparecer.
Desejo-te felicidades!
Sem
mais, Milagres.”
Maio de
1984: o sonho acabou. Bianca rompeu o noivado e nossa amizade.
Tudo estava
escurecendo. Não podia contar nem mais com as cartas de Milagres, as quais eram
como bálsamo para o meu sofrimento.
Sentia que ela escorregava por entre os meus dedos.
Escrevi-lhe diversas cartas. Recebi poucas respostas. Numa delas, disse-me que
conhecera um rapaz e que estava aprendendo a gostar dele, que queria sentir-se
amada, e que finalmente, eu poderia considera-la simplesmente uma amiga para
todo o sempre.
Não dei
importância ao fato, considerei unicamente provocação e esqueci o assunto.
As cartas
tornaram-se mais escassas. Ela já não as respondia.
Súbito,
percebi um vazio dentro de mim. Era como se tivesse perdendo parte do meu ser.
Ela era importante par mim. A cada dia, sentia o quanto me cegara, a paixão.
Cega paixão! Quase quatro anos de atenção, de carinho, de dedicação, de
esperança e tudo o que Milagres recebera foi as migalhas que sobravam da paixão
que sentia por Bianca.
Chorei de
alegria ao descobrir que a semente do verdadeiro amor brotava dentro de mim.
Lembro-me: reli todas as cartas e destaquei cada palavra, cada frase, cada
parágrafo nos quais ela insinuava seu amor por mim.
Foi uma
descoberta indescritível e eu vibrei! Aquela mulher tinha um jeito todo
especial de dizer “te amo”. Relendo-as descobri nas entrelinhas o quanto era
amado.
A partir de
então, esforcei-me para apagar da minha memória todos os vestígios da minha
paixão por Bianca. Alimentei cada momento com as recordações de tudo que vivi
ao lado de Milagres. Tentei resgatar sua amizade e seu amor através das
cartas...Mas suas respostas eram a cada dia descontínuas e frias.
Janeiro de
1985. Não foi possível viajar. Por motivos alheios a minha vontade tive que
adiar as minhas férias.
Maio de
1985. Meu coração batia cada vez mais forte, ao passo em que o transporte se
aproximava da minha cidade – Natal. Não conseguia mais me conter. Tudo o que
queria era correr para os braços de Milagres, e lhe entregar todo o meu amor.
Vinte
horas, do dia 10 de maio de 1985. Toquei a campainha e a mãe de Milagres surgiu
à porta. Deu-me um abraço caloroso e convidou-me a entrar. Perguntei, impacientemente, por ela, já não conseguia
conter minha emoção. Olhando-me, demoradamente, e quase num murmúrio disse:
_ Milagres
não mora mais aqui.
_ Como
assim? O que aconteceu? Aonde ela está?
_ Casou-se
há nove dias.
Foi como
uma bofetada no meu rosto. Senti o sangue gelar e meu corpo esmorecer.
Sentei-me pesadamente.
_ Não
acredito! A senhora deve estar brincando comigo!
Segurei a
cabeça entre as mãos e tentei acordar daquele pesadelo. Não sei quanto tempo
permaneci nessa posição. Escutei uma voz suave e carinhosa muito distante.
_ Meu
filho! Não fique assim. Sei que é difícil de aceitar, mas é a realidade. Ela
esperou muito tempo por você, meu querido. Só eu sei o quanto ela te amava.
Quantas noites a vi lendo suas cartas, olhando suas fotos... Chorando! Você
deixou isto acontecer, meu filho. O que não se rega, morre. Ela será feliz,
casou-se com um rapaz de princípios, que a ama muito. Pode ficar certo que foi
difícil para ela tomar essa decisão. Mas, você nunca demonstrou interesse por
ela... A não ser como amigo. Tocaram a campainha, um momento, volto logo.
_ Olá, mamãe!
Tudo bem? Sabe, estava assistindo aula, senti um desejo imenso de vir até aqui,
como algo me arrastando. Fiquei preocupada. Está tudo bem mesmo?
_ Entre
querida, seu coração está aqui.
_ Como assim?
Ao ouvir sua voz, levantei-me.
Não conseguia acreditar que ela sentira a minha presença. Fui ao se encontro.
Milagres sobressaltou-se. Olhou-me admirada. Sua mãe saiu, discretamente.
_ Por que você fez isso? Como
pôde fazer isto? Devo estar sonhando, meu Deus!
Ela limitou-se a me olhar.
Emudeceu. Foi como se não acreditasse no que via. Senti o quanto desejava fugir
de diante de mim. Sentou-se.
_ Por que você não me comunicou?
Eu pelo menos um pouco da sua consideração.
Suas primeiras palavras
cortaram-me o coração.
_ Você não teve consideração por
mim quando resolveu ficar noivo. Escondeu de mim a verdade. Sei de tudo! Estive
com ela. É impressionante o fato de você conseguir esconder dela todo o tempo a
profundidade do nosso relacionamento. Conversamos sim. Felizmente, você não
conseguiu destruir a amizade que existe entre nós! Foi difícil aceitar que
fosse ela a sua noiva.
Pensei que ela fosse chorar. Seus
olhos até pareciam que iriam derramar rios de lágrimas. Enganei-me. Olhou-me,
profundamente, e continuou.
_ Àquele natal...àquele natal foi
o mais importante da minha vida. Acredite que até sonhei que me amavas,
verdadeiramente. Errara outra vez. Você não teve princípios.
_ Engano seu. Não fiquei com as
duas. Cheguei tarde porque estava andando pela cidade, sem rumo. É certo...
estava indeciso, mas foi só com você que passei àquele natal.
_ Muito obrigada! É maravilhoso
saber disto. Você é muito cínico, Guilherme! Como você pode ser tão
dissimulado?
_ Não estou mentindo. Depois que
andei pela cidade, entrei num bar, tomei duas doses de uísque e vim te
procurar. Foi a você que escolhi naquela noite, Milagres.
_ Cínico! E o que você me diz
daquela despedida calorosa na rodoviária? Foi de mim que você se despedia?
Levei um susto. Ela sabia de tudo
e começava a mostrar o quanto estava ferida.
_ Eu fui lá, Guilherme! Disse que
não iria ver sua partida, mas fui. Vocês estavam lá...abraçados, felizes e
apaixonados. Naquele momento, percebi o quanto estava sendo imbecil! Você a
queria, você a amava...sempre a amou. Resolvi me afastar, não seria o motivo
das suas dúvidas. Deixei o caminho livre. Não me pergunte o que senti naquele
momento. Tudo o que sonhei acabou-se ali. Você era tudo para mim. Jamais
imaginara que tivesse ficado com nós duas ao mesmo tempo. Como pôde? Não podia
aceitar que todos os momentos, os quais passamos juntos, naquele natal, não
significassem nada para você.
Lágrimas rolaram pelo seu rosto,
jamais vira tanto sofrimento; cada gota deslizando pelo seu rosto carregava um
pouco da essência da sua alma, e eu podia sentir, naquele momento, o quanto fui
amado e em que transformara esse amor – num símbolo de amargura.
O silêncio caiu entre nós, tal
qual uma grossa cortina ao término do último ato, o que eu podia dizer frente à
verdade? Olhamo-nos dentro da alma...nada mais havia a esconder; a magia
acabara.
“MISTÉRIO! SEMINARISTA SUICIDA-SE
MOMENTOS ANTES DA ORDENAÇÃO - 25 de dezembro , 1992 – (Manchete dos principais
jornais do Rio de Janeiro).”
_ Querida! Carta para você. Está
encima da mesa. Já estou saindo.
_ Ók! Até à noite. Adoro receber
carta! Sem remetente, de quem será?
“ Rio de Janeiro, 22 de dezembro
de 1992.
Minha eterna
amiga!
Não tive
condição para responder de imediato a sua carta. Peço desculpas por isto.
Pensei muito se deveria dar importância às suas palavras. Já faz muito tempo
que não escrevo para ninguém, que não confesso meus pecados, ou seria meus
medos?
Quanto a me
conhecer, lembre-se: são sete anos de distância e, o ser humano muda. Não tenha
tanta certeza que em conhece.
No entanto,
você tem razão; aqui não é lugar para mim. Vou para um lugar onde não poderei
ser perturbado. Sete anos é tempo suficiente par o homem se conhecer – somente
eu me conheço!
Para onde vou
estarei te olhando. De lá eu posso te amar. Aqui, nesse cemitério de vivos;
seminário, não é possível nem mesmo amar sem estar em pecado.
Sinta minha presença
para todo o sempre e me perdoe,
Guilherme.”
“VOU AO ENCONTRO DO MEU DESTINO: PERDOE-ME! 25 DE
DEZEMBRO DE 1992 ( Manchete dos principais jornais da cidade do Natal – cópia
do bilhete de despedida, deixado por uma suicida ao seu esposo)
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